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“Catch a Fire”, Bob Marley and the Wailers (1973)

  • Foto do escritor: Lucas Bonetti
    Lucas Bonetti
  • 18 de set.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 19 de set.

Bom dia!

Seguindo com a série de indicações de alunos da UFBA, hoje Manoel Mario traz pra gente um relato pessoal entrelaçado com a indicação do álbum:


“Catch a Fire” é o álbum que lança o reggae e Bob Marley para o mundo. Eu me lanço para Salvador em 1982 com 18 anos. A vizinhança em Feira de Santana, de onde eu vim, não tinha bons olhos para a família de Seu Zé Pretinho, caminhoneiro pernambucano distribuidor de cebola de Exu para o Brasil. Além do comércio de cebolas, a família também botava barraca nas festas de largo de Feira e Salvador atividade essa comandada por D. Nilza (filha de seu Zé). Everaldo, filho de D. Nilza era mal visto por ser usuário de ganja. Everaldo chegou a plantar ganja na área do exército tornando comum a visita de viaturas e soldados pintando a nossa rua de verde oliva. Marquinhos irmão de Everaldo, meu amigo de escola e dos babas, tomava conta do bar da família: um bar com sinuca na esquina. Eu frequentava a casa de D. Nilza meio que escondido de meus pais. O quarto de Everaldo tinha um cheiro de mato queimando. Lá Marquinhos não entrava tampouco eu. Mas era de lá que Bob Marley vindo de Trenchtow, para todos os ouvidos da casa, em meio as risadas de Vel e de seus amigos exóticos. Foi Everaldo quem conseguiu a casa de Tudinha, no bairro da Saúde, para Marquinhos e eu pousarmos em Salvador para prestar exame para ETFBa. Eu consegui passar e Marquinhos voltou para Feira.
Em Salvador fui morar no Pero Vaz. O bairro da Liberdade parecia o quarto de Everaldo: trilha sonora de reggae se misturando a voz das pessoas e claro, aquele mesmo cheiro de mato queimando. Frequentando o clube de inglês da escola, surgiu a curiosidade de saber que mensagem aquela música trazia. O que me intrigava era o fato de ser uma música estrangeira com um inglês cheio de gírias e sotaques, mas que passava uma mensagem aparentemente entendida por todos. Nas palavras de Tárik de Souza o reggae “é o espião que veio do calor, um camaleão que penetra no baile pop, capaz de assumir a cor local de seus descendentes, sejam eles da friorenta Inglaterra ou dos 40 graus à sombra da baixada fluminense". Híbrido da tropicaliente ilha caribenha da Jamaica (numa linha evolutiva, do rock-steady e do ska, sempre em intercambio com os soul brothers do Norte), o reggae botou pra dançar o planeta, movido a fumaça de ganja e filosofia rasta. O reggae com seus insistentes chamamentos para uma consciência racial e de classe que não economiza o uso de uma linguagem fática vocal e gestual me fisgou assim como fisgou as pessoas e os movimentos de periferia porque fala a linguagem do povo. Tudo isso me permitiu, como um passaporte, ingressar nas primeiras discussões sobre o movimento negro e suas relações com o pan-africanismo. O reggae me permitiu mais tarde caminhar mais tranquilo pelos movimentos estudantis e sindicais. A música reggae é um movimento como diz Bob Marley mexendo o corpo como se estivesse marchando. A pulsação do reggae é uma pulsação de expansão e contração que busca conectar o global com o local. Permite viajar e também voltar pondo os pés na realidade. O bairro da Liberdade, onde mãe e filho choram e ninguém vê, sempre acolheu bem os filhos do reggae. Emprestando meus ouvidos a Gilberto Gil, um dos grandes interlocutores do reggae no Brasil, direciono minhas lembranças para o interior de onde vim. Só assim pude entender que Everaldo era aquele rapaz de Tradição, facilmente poderia ser de Trenchtown, de camisa aberta e calça americana que tinha um jeito diferente de pongar no bonde.

FICHA TÉCNICA

Baixo – Aston 'Family Man' Barrett

Coprodutor – Bob Marley, Chris Blackwell

Congas, bongôs, vocais - Bunny Livingstone

Bateria – Carlton 'Charlie' Barrett

Engenheiro – Carlton Lee , Stu Barrett, Tony Platt

Guitarra [não creditada] – Wayne Perkins ( faixas: A1, A5, B1 )

Vocal principal, violão acústico – Bob Marley

Piano, Órgão, Guitarra, Vocal – Peter Mackintosh

Escrito por – Bob Marley ( faixas: A1, A2, A5 a B4 ) , Peter Tosh ( faixas: A3, A4 )


PAÍS

Jamaica


TIPO DE SOM

Reggae


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2 comentários


Alaide
19 de set.

Belo e nostálgico texto de Manoel Mário! Parabéns!

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Manoel Mario
19 de set.
Respondendo a

Um beijaço, Alaide.

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